INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ

A iniciação à vida cristã, que inclui o querigma, é a maneira prática de colocar alguém em contato com Jesus Cristo e iniciá-lo ao discipulado. Proposta em forma de catecumenato batismal para os não batizados. Na forma de catecumenato pós-batismal para os batizados não suficientemente catequizados com forte ênfase celebrativa e mistagógica.

Pela iniciação cristã o cristão entra numa profunda e feliz celebração dos sacramentos, com toda riqueza de seus símbolos e sinais. Enfatiza-se ainda que, através da iniciação cristã renova a vida da comunidade e desperta o seu caráter missionário, isso requer novas atitudes pastorais por parte de todos os seus agentes.

 

1 – IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS E PASTORAIS

Segundo as diversas compreensões de iniciação, aplicamos a que mais se caracteriza ao nosso propósito: ato de dar ou receber os primeiros elementos de uma prática. Admissão de uma pessoa em uma comunidade de fé e aprendizado da maneira de celebrar seu respectivo culto.  A iniciação representa, pois, um processo de aprendizagem, de assimilação e aquisição progressiva de uma doutrina ou de prática determinada, de crenças e valores ou de costumes e comportamentos novos.

 

1.1 – Iniciação à Vida Cristã e graça de Deus

Ao nos referirmos a ‘iniciação cristã’ propriamente, podemos afirmar que sua originalidade essencial consiste em que Deus tem a iniciativa e a primazia na transformação interior da pessoa e em sua integração na comunidade, fazendo-a partícipe da morte e ressurreição de Cristo. Por esta razão os ritos, símbolos e sinais nos levam a compreender que pela iniciação cristã Deus vem ao encontro do homem convidando-o a entrar em uma dinâmica relacional com Ele.

Partindo desta definição entende-se a iniciação cristã como sendo: incorporação do candidato, mediante os três sacramentos – Batismo, Crisma e Eucaristia – no mistério de Cristo e na comunidade eclesial. Passando por este processo, o candidato, profundamente transformado e introduzido na nova condição de vida, se torna pleno de Deus e começa nova existência para a sua plena realização.

Esta inserção exige um processo gradual ou itinerário catequético que o ajude a amadurecer a fé.

Teologicamente assim caracteriza-se a ‘iniciação cristã’: “obra do amor de Deus”, que em sua bondade e sabedoria quis revelar-se a si mesmo e manifestar o mistério de sua vontade: por Cristo, a Palavra feita carne, e com o Espírito Santo, os homens podem chegar ao Pai e participar da natureza divina.

É a iniciação cristã a graça de Deus na vida da comunidade, pois Deus cria o homem para viver na unidade, por esta razão é que a iniciação cristã se caracteriza também como compromisso com Deus que se manifesta ao homem em comunidade. Foi à Igreja que Cristo encarregou a missão que Ele havia recebido do Pai: anunciar e levar à plenitude a salvação.

A Igreja, como mãe, sai ao encontro das pessoas, às quais anuncia a Boa Nova, acolhe-as e acompanha-as no caminho da fé, põe os fundamentos da vida cristã, incorpora-as ao mistério de Cristo pelos sacramentos da iniciação cristã, e as faz participantes da vida e missão de Cristo, levando-as à maturidade em Cristo.

A Igreja, pela iniciação cristã, gera a Igreja. Através da iniciação cristã, a Igreja manifesta sua identidade de mãe e, ao mesmo tempo que incorpora a pessoa a Cristo, incorpora-a ao Corpo de Cristo; ao mesmo tempo que gera o cristão, edifica a Igreja, de modo que podemos afirmar que pela iniciação cristã a Igreja gera a ‘Igreja’.

Cristãos livres

Deus cria o homem para viver na liberdade de filhos. Para tornar-se cristão a Igreja não coage. É na liberdade que a pessoa age. À iniciativa de Deus a pessoa há de responder livremente auxiliada pela graça divina e ajudada pela comunidade de fé. Na liberdade a pessoa percorrerá o itinerário de fé. Um caminho progressivo que a conduzirá à adesão incondicional a Deus, à confissão da fé e ao reconhecimento de que como nova criatura deverá colaborar na edificação de um mundo novo.

Dimensões intrínsecas da iniciação cristã, como sendo graça de Deus e inserção da pessoa na vida trinitária:

01 – Dimensão teológico sacramental – A iniciativa é sempre de Deus e exige do homem uma resposta livre e pessoal, a qual o conduz à uma vida sacramental. É Cristo que com o homem se encontra, e o homem de maneira livre se deixa conduzir por Cristo na ação do Espírito.

02 – Dimensão eclesial – A Igreja é comunidade de amor e no amor gera novos filhos incorporando-os à Cristo e ao mesmo se fortalecendo. Igreja que anuncia o Senhor, nutre os seus filhos através dos sacramentos e dialoga com Deus na oração e os leva a viver como testemunhas.

03 – Dimensão catequética – Obediente à voz de Cristo, a Igreja realiza a sua missão de educar na fé os que aderem a Cristo, de maneira sistemática, gradual e integral. Educa, ensina e os transforma em testemunhas autênticas.

04 – Dimensão existencial e escatológica – O cristão se reconhece como novo ser, e compreende que sua vida é missão e serviço que se transforma a cada dia na vivência do amor testemunha, o qual tem seu cumprimento na garantia da ressurreição.

Vivenciando estas dimensões conjuntamente, podemos entender e compreender que o cristianismo, em sua base inicial, torna-se religião iniciática, que leva a pessoa a nascer de novo (cf Jo 3,4-8). Pelo Kerigma, apresenta a toda pessoa que dela se aproxima o ‘Novo Homem – Jesus de Nazaré, o Filho de Deus encarnado’. A pessoa passa a descobrir o mistério da Pessoa de Jesus de Nazaré e os mistérios do ‘Reino’, através de uma catequese celebrativa e mistagógica presente no processo iniciático, como também a entrar na dinâmica do seguimento que desencadeia a conversão pessoal, familiar, comunitária e social, caracterizada pelo testemunho.

 

1.2 – A iniciação cristã – Um serviço de qualidade

 

A Igreja, mãe e mestra, com a iniciação cristã, gera os seus filhos, os alimenta e se fortalece. Através deste serviço, manifesta a sua capacidade de acolher novas pessoas e de formar cristãos capazes de viver e testemunhar Jesus Cristo na força do Espírito Santo.

Atualmente, devido à crise de identidade cristã, é necessário “inovar” – renascer de novo – descobrir o caminho, aceitar a proposta feita por Jesus: produzir frutos, ser sal da terra e luz do mundo, renascer de novo através do Espírito que vivifica e faz novas todas as coisas.

O processo de iniciação à vida cristã requer mudança de mentalidade e ao mesmo tempo esforço e empenho pastoral. Analisando a nossa situação pastoral, percebemos que falta maturidade humana e cristã dentro de nossas comunidades no que diz respeito a pastoral atual. Apenas algumas constatações:

  1. Os noivos que se decidem pelo matrimônio, assumem diante de Deus, o grave compromisso de gerar e educar os filhos segundo a lei de Cristo e da Igreja. Assim compreendemos que é no meio da família que o processo de Iniciação cristã tem seu fundamento. No entanto o que acontece de fato?
  2. Quando uma criança é batizada, compreende-se que este rito se realiza na fé da Igreja, na qual, pais e padrinhos assumem perante a comunidade reunida a viverem unidos na fé, crendo e dando testemunho através do compromisso. Este processo de iniciação cristã deve ser continuado na catequese com a recepção do sacramento da Eucaristia e da Confirmação. No entanto o compromisso na educação da fé é delegado à comunidade, onde o compromisso dos pais é mínimo. Como ande este processo de educação da fé em nossas comunidades?
  3. A iniciação cristã não se encerra com a recepção do sacramento da Crisma, pois quando se alimenta a fé, pelo sacramento da Eucaristia, o cristão assume o compromisso de transmiti-la. O mandato de Jesus deve ser colocado em prática. “Ide e Anunciai”, porém existe uma grande lacuna entre o sacramento da Eucaristia e o compromisso comunitário até a recepção do sacramento da Crisma. Esta afirmação corresponde com a realidade de nossas comunidades atualmente?

A comunidade é chamada a dar sustentação à ação da família primeiramente, a fim de que possam adquirir um estilo de vida cristã possível de ser vivido pelos filhos[1].

A Igreja como Mãe e Mestra nos capacita a sermos corajosos, criativos, inventivos e com estas disposições iremos dando uma nova configuração à comunidade de fé e assim a identidade cristã irá aparecer como sendo adesão e compromisso com Cristo que se faz presente na comunidade. Iluminados pela sabedoria de nossos pastores, motivados pela força do Evangelho – iluminados pela riqueza da leitura orante e dos ritos celebrativos propostos no RICA – aproveitemos todas as possibilidades para que a iniciação à vida cristã seja uma realidade viva, rica, dinâmica e transformadora, capaz de levar a pessoa a se descobrir e assumir o novo que É Cristo e crescer rumo a sua maturidade.

 

1.3 – Uma comunidade madura na fé

 

O Cristão maduro na fé se caracteriza a partir de sua adesão a Cristo e de seu compromisso na comunidade. Sentimos a urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação à vida cristã que comece pelo anúncio corajoso e autêntico do Cristo vivo (querigma) e presente na comunidade que transforma, modifica e re-estrutura a pessoa em todas as suas dimensões.

O cristão maduro na fé é aquele que aprende, pelo caminho proposto pela Iniciação Cristã a:

  1. Colocar Jesus Cristo no centro de sua vida como sendo verdadeiro salvador e plenitude da vida pessoal, familiar, comunitária e social e que leva toda pessoa à plenitude da maturidade humana e cristã;
  2. Viver ligado a Cristo através da oração, seu alimento espiritual;
  3. Amar a Palavra de Deus e nela encontrar as razões para viver em comunidade;
  4. Participar dos sacramentos, fundamentalmente a Eucaristia, de onde tira as forças para enfrentar as dificuldades que a complexidade atual apresenta;
  5. Tornar-se membro ativo, participante e convicto de que da sua atuação depende a mudança e a transformação das realidades injustas;
  6. É verdadeiro, solidário, autêntico discípulo missionário.
  7. Um mistagogo que conduz outras pessoas ao encontro do grande Mistério que é Cristo, o Senhor que dá sentido à vida tornando-a bela, verdadeira e plena da alegria que contagia.

Para que estes pressupostos se concretizem na vida de toda pessoa a Igreja propõe a assimilação e aplicação do Ritual de Iniciação Cristã (RICA), pois é referência necessária e apoio seguro. Se bem que o Ritual dá pistas para a celebração e não a estruturação de um itinerário, se bem que, na leitura atenta, e seguindo passo a passo o itinerário celebrativo podemos colher boas pistas para uma catequese de Iniciação Cristã de Inspiração Catecumenal, seja para a família, quanto para os pequenos que nos são confiados na catequese. O itinerário celebrativo pode ser útil para as demais pastorais que intentam um projeto de formação de novos cristãos: na pastoral do Batismo e de Casais na Pastoral Familiar, bem como nos movimentos que trabalham o Querigma. Este Itinerário é que levará a pessoa a aderir verdadeiramente a Cristo e assumir responsavelmente a caminhada da comunidade, pois vai dando as chaves para abrir as portas indicadas após cada etapa celebrada.

O processo de iniciação a vida cristã de inspiração catecumenal que leva a pessoa à maturidade da fé se desdobra ainda em várias outras etapas, capacitando a pessoa a:

1- Situar-se como criatura diante do Criador; reconhecendo Jesus como Senhor e o Espírito Santo como origem da santidade.

2- Capacidade de perceber a própria vida e história integrados na realização do projeto de Deus.

3 – Orientar a própria conduta na direção do que se descobre como vontade de Deus. Não se é fruto do acaso, do determinismo, mas no exercício da liberdade vai modificando a maneira de ser, de agir e reconhecendo-se como Filho de Deus.

4 – Vivenciar de maneira plena e total a consciência de pertencer a uma comunidade, onde se interage com os outros.

5 – Se compreende como sinal da presença de Deus em meio ao mundo; família; trabalho e sociedade.

Compreende-se ainda que a iniciação à vida cristã não deve estar restrita ao âmbito da catequese, mas precisa ser um trabalho de toda a comunidade. Não se inicia um processo de mudança de mentalidade somente a partir de um grupo, mas de todos os envolvidos no processo de evangelização dentro da comunidade. A mudança de mentalidade passa por um processo global, todos devem se envolver: grupos, associações, movimentos, serviços e pastorais, bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e agentes de pastoral (DAp 291).

A iniciação à vida cristã torna-se assim expressão da comunidade que educa com toda a sua vitalidade e demonstra sua verdadeira eclesialidade. Não se torna uma dentre tantas atividades eclesiais, mas a atividade que a qualifica como Igreja enviada pelo próprio Cristo a gerar novos filhos no amor. Assim a Igreja se compreende como Igreja ‘discípula missionária’.

Se não soubermos transmitir às novas gerações o amor pela vida interior, pela escuta atenta da Palavra de Deus, uma vida de intimidade com Deus através da oração, pela participação ativa dos sacramentos, principalmente pela Eucaristia, bem como buscar Deus no cotidiano da vida e de um amor incondicional aos que sofrem, corremos o grave risco de não respondermos aos apelos da pessoa que busca o sentido primeiro da vida.

A fé que recebemos deve ser transmitida, comunicada como ‘Boa nova’ pois aquele que ama a vida, oferece a alegria do anúncio, sabe que em Cristo está a razão de viver. Assim, quem ama a Cristo sabe que a catequese não tem por fim a celebração dos sacramentos, mas conduz a pessoa a aderir a Cristo e com Ele assumir um compromisso comunitário. Portanto, é preciso, dentro do processo de iniciação cristã, pensar a catequese na sua finalidade primeira a qual é educação da fé que leva o cristão a assumir compromissos com o Senhor que se faz conosco ao longo da vida. E assim a comunidade se torna lugar onde:

  1. Se faz experiência da Palavra de Deus – A Palavra é fundamento, raiz da comunidade. Quando se valoriza a Palavra, Ela se torna Palavra de vida e através dela se entra em comunhão, vive-se na intimidade com Cristo.
  2. A Celebração sacramental –  Principalmente da Eucaristia dominical se torna ponto de chegada de um caminho catequético e ao mesmo tempo ponto de partida de um caminho mistagógico, que introduz no mistério de Cristo. Na Eucaristia Deus e a pessoa se encontram. É Deus santificando a pessoa, é a pessoa se divinizando em Deus.
  3. Vive-se a experiência de fraternidade e comunhão – Através da fraternidade a pessoa vive a beleza da comunhão. A vocação da pessoa é a de viver em comunhão, ser fraterno e solidário – O mandamento de Cristo: “amai-vos uns aos outros”, é modelo e solicitação para a edificação de uma nova maneira de se viver em comunidade.
  4. Concretiza-se o serviço e a vivência da caridade. O amor ao próximo, ao necessitado é expressão do amor a Deus. É realizando a caridade no amor serviço que demonstramos o amor a Deus, é colocando em prática as obras de misericórdia contidas no Evangelho de Mateus 25,31-46, que edificamos o Reino e nos tornamos convivas no céu.

 

1.4 – Adesão a Cristo e testemunho comunitário.

A celebração dos ritos iniciaticos está dirigida, em última instância a formar uma comunidade de pessoas que aderem a Cristo e sejam sinal, anúncio e realização da comunidade definitiva, que demonstrem que o Reino de Deus já chegou. E esta comunidade só é possível mediante a inserção de pessoas no próprio Cristo.

É preciso que deixemos bem claro que esta inserção plena em Cristo se dá através do processo de iniciação à vida cristã. Não se recebe algo sem conhecer a sua real dimensão. É por esta razão que trazemos a tona e com clareza a dimensão antropológica dos sacramentos. Os quais estão para a comunidade.

Não se recebe um sacramento se não dentro da comunidade e para fortalecer a própria comunidade. A comunidade está para o sacramento, como o sacramento está para a comunidade. E a pessoa que assume a realidade sacramental deve afirmar como Paulo: “Já não sou eu quem vive, mas o próprio Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).

Com o processo de iniciação à vida cristã, como proposta de vida nova, a celebração dos Sacramentos de iniciação cristã se dá de forma unitária: Batismo, Crisma e Eucaristia e no tempo Pascal. Com isso se quer expressar a unidade do mistério pascal e a participação plena no Corpo de Cristo que é a Igreja. Retorna-se assim ao ponto original e fundante da fé eclesial que tem sua origem no Tríduo Pascal.

Após a recepção dos sacramentos tem início uma nova etapa: o tempo da mistagogia. Durante este tempo, os neófitos, ajudados pela comunidade dos fiéis, e através da meditação do Evangelho, da catequese, da experiência sacramental freqüente e do exercício da caridade, aprofundam os mistérios celebrados, consolidam a prática da fé cristã e se exercitam nas práticas comunitárias.

 

[1] Concretamente a Igreja deve oferecer, primeiramente às famílias, um processo de iniciação cristã. D.A 300

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