Está na hora de tirar as máscaras. As máscaras do Carnaval, é claro, mas também aquelas, muito mais difíceis de remover, que usamos diariamente, para parecer que somos bons pais, bons filhos ou bons cidadãos. Máscaras que usamos para sermos aceites, para agradar, para não ficar mal diante do mundo tão exigente, como um tribunal monstruoso que nos julga continuamente.
A Quaresma começa, finalmente. Começa com um jejum que nos ajudará a recordar o que é realmente essencial na nossa vida, referindo-nos àquele único Pão que nos sacia, àquela única Água que sacia a nossa sede. Neste dia somos convidados a saltar uma das refeições e manter-nos leves, para lembrar à sociedade escandalizada com quem está acima do peso que muitos dos nossos irmãos estão lutando pelo pão de cada dia. Jejum que nos lembra que o homem não vive somente de pão, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
Quarenta dias em que tentaremos, como todos os anos, fazer uma revisão, focando nas coisas que precisam ser mudadas, no pecado que nos impede de viver como ressuscitados, na tristeza que nos impede de ser novas criaturas. Um percurso desafiador, porém, necessário para não vivermos apáticos, para não ficarmos anestesiados diante de uma rotina diária sempre repetitiva, cada vez menos fascinante e cada vez mais monótona.
Outra Quaresma, outra oportunidade que nos é dada para organizar as nossas vidas tantas vezes sobrecarregadas de coisas para fazer, pela vida quotidiana que ocupa cada espaço, cada possibilidade de conduzir a nossa existência onde pretendíamos. Não somos bodes expiatórios da nossa civilização, somos homens e mulheres livres que ainda precisam adquirir definitivamente uma liberdade interior que permite viver todas as situações, orientando-as para o absoluto. Então, a Quaresma torna-se, mais uma vez, a oportunidade de parar e olhar para Deus, para depois olhar para a nossa vida e constatar o que ainda precisa ser purificado, o que precisa ser mortificado e o que precisa ser vivificado.
A Quaresma começa com o sinal austero da imposição das cinzas, para nos lembrar que somos apenas pó, mas pó que Deus transfigura em luz. Porém, daqui a cem anos todos seremos pó: poderosos, violentos, milionários, arrogantes, grandes campeões, celebridades… todos, apenas pó. E isso não é para nos deprimir, mas para nos despertar, para nos empurrar a viver a nossa vida com intensidade e verdade, para saber como distinguir o que nos constrói e o que nos destrói, o que é necessário e o que é absolutamente supérfluo.
Gostaria muito que este início da Quaresma fosse mais conhecido e participado, especialmente neste forte momento litúrgico da imposição das Cinzas. É um gesto simbólico e desconfortável, um apelo brutal à verdade da vida e dos fatos. Somos apenas pó, somos apenas cinzas e todo o nosso esforço, os nossos sucessos, os nossos resultados se tornarão pó novamente. Não só é essencial, mas é urgente na nossa vida: interioridade, espiritualidade, paz no coração. Isso nos preenche, marca-nos, deixa um rasto da nossa passagem nesta terra. O sinal da imposição das cinzas põe a nossa vida em ordem e seria maravilhoso se também pusesse ordem na sociedade. Pensem em como os debates parlamentares ou as reuniões de condomínio funcionariam muito melhor se, antes, as cinzas fossem impostas a todos!
Ânimo, então, buscadores de Deus: a liturgia nos dá quarenta dias de verdade, oportunidade, deserto e treino para redescobrir o que é realmente essencial na nossa vida, o que é importante, o que vale a pena investir. Um tempo para deixar a nossa alma finalmente nos alcançar no caos dos dias. Bom percurso de conversão!
Pe. Ramom Vergasta