Por Thales Reis*
Os Jogos Olímpicos da Antiguidade, uma série de competições entre os representantes de várias cidades-estados da Grécia antiga, foram realizados na pólis grega de Olímpia, do século VIII a.C. ao século V d.C, e compartilham um passado – e presente – em comum interessante com outra instituição tão longeva quanto as Olimpíadas e que também sobrevive até a nossa era moderna: o papado.
Em 6 de abril de 1896 começava em Atenas, na Grécia, a primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. O renascimento do espírito olímpico, interrompido no ano de 394 pelo imperador romano Teodósio I, deveu-se, principalmente, ao pedagogo e historiador francês Pierre de Frédy, o Barão de Coubertin. E em 1908, as Olimpíadas deveriam chegar à Roma, nos “degraus” do Papa, pela primeira vez.
Mas diferente do que acontece hoje, naquela época, sediar os Jogos Olímpicos não garantia muitos benefícios financeiros para o país, e o Comité Olímpico Internacional (COI) enfrentava grande resistência de políticos e autoridades italianas para hospedar o evento. Para garantir o sucesso da competição, Coubertin foi pedir a “benção” do Papa e a intercessão do Vaticano em favor das Olimpíadas. Em 1905, o barão francês se encontrou com o Papa Pio X, de quem recebeu a aprovação da Igreja para a realização dos Jogos.
As Olimpíadas de 1908, que seriam sediadas em Roma, tiveram que mudar de endereço para Londres, na Grã-Bretanha, porque uma erupção do vulcão Vesúvio obrigou as autoridades italianas a usarem todos os seus recursos para combater os efeitos da tragédia. A ocasião, porém, marcou a aliança definitiva do catolicismo com o mundo dos desportos olímpicos. Em 1960, as Olimpíadas, enfim, desembarcaram na Cidade Eterna.
Um dia antes da abertura, os atletas das 83 delegações que foram à capital italiana se reuniram na Praça São Pedro, dentro dos muros vaticanos, para um encontro com o papa João XXIII. Aos competidores, o “Papa Bom” pediu “um exemplo de competição saudável” e ressaltou a capacidade do evento de unir os povos: “embora pertençais a diferentes nações, estão fraternalmente associados ao mesmo hobby e ao mesmo propósito dos Jogos”.
Em 1966, Paulo VI recebeu em audiência integrantes do COI, que naquele ano realizavam, em Roma, a sua 64ª assembleia geral. Aos membros do comitê, o papa destacou os valores comuns que proporcionam o diálogo entre a Igreja e o esporte e ajudam na promoção da paz. Para o Pontífice, “a prática do esporte em nível internacional, que encontra sua expressão mais perfeita nos Jogos Olímpicos, tem se mostrado um fator marcante para o progresso da fraternidade entre os homens e para a difusão do ideal de paz entre as nações”.
Seis anos depois desse discurso, as Olimpíadas e o mundo do esporte seriam terrivelmente abalados pelo atentado terrorista em Munique, Alemanha, durante os jogos de 1972, deixando 17 pessoas mortas, incluindo seis treinadores e cinco atletas da delegação israelense. Diversos líderes mundiais, inclusive o papa, condenaram o massacre. Em um discurso histórico, dramático e emocionado, Paulo VI afirmou que a tragédia na sede dos Jogos Olímpicos “desonra verdadeiramente o nosso tempo”.
Além do interesse pelas artes e da religiosidade intensa, o desporto também esteve no centro das paixões do jovem Karol Wojtyla. Não por acaso, o papa polonês ofereceu uma série de reflexões sobre as virtudes esportivas, sempre de valor cultural e religioso, e também não se absteve de denunciar aquilo que, na sua percepção, poderia colocá-las em risco.
Nos anos de 1980, durante o auge da Guerra Fria, a “Cortina de Ferro” dividia o mundo em dois, e essa divisão tirou o brilho e provocou boicotes às Olimpíadas de Moscou (1980) e Los Angeles (1984). Aos participantes dos jogos de 84, João Paulo II recordou que o evento deve ser uma “expressão da competição atlética amigável e da busca pela excelência humana, mas também para o futuro da comunidade humana, que por meio do esporte expressa externamente o desejo de todos por uma cooperação universal e entendimento”.
Vinte anos depois, às vésperas dos Jogos de Atenas de 2004, a primeira Olimpíada após os atentados terroristas de 11 de setembro, que marcaram o começo dos anos 2000, o papa Wojtyla, já com a saúde frágil e muito debilitado fisicamente, desejou que “no mundo, hoje atormentado e comovido por tantas formas de ódio e de violência, o importante evento esportivo dos Jogos constitua uma ocasião de sereno encontro e sirva para promover a busca da paz entre os povos”. Naqueles dias, o fantasma do terrorismo voltou a rondar a competição.
As intenções de João Paulo II foram repetidas, quatro anos mais tarde, por Bento XVI, que dirigiu-se aos participantes da edição de Pequim, em 2008, e expressou seus “sinceros bons votos” de que os Jogos ofereçam à comunidade internacional “um exemplo válido de convivência entre pessoas das mais diversas proveniências, no respeito pela dignidade de todos”. Na ocasião, Joseph Ratzinger classificou indelevelmente o esporte como ferramenta de “fraternidade e de paz entre os povos”.
As Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, tiveram palco três anos depois da inesperada renúncia do papa alemão. No Trono de São Pedro, pela primeira vez, o mundo tinha um latino-americano, vindo da Argentina, jesuíta e apaixonado por futebol. Aos participantes dos Jogos do Brasil, Francisco desejou que “o espírito dos Jogos Olímpicos possa inspirar a todos, participantes e espectadores, a combater o bom combate e a terminar juntos a corrida”, diante de um mundo que “está sedento de paz, tolerância e reconciliação”.
Na edição de 2016, pela primeira vez, uma equipe de atletas refugiados competiu pelo ouro olímpico sob a bandeira do Comitê Internacional, mostrando o alinhamento dos realizadores e responsáveis pelos Jogos com uma importante pauta do pontificado de Francisco: a defesa dos migrantes e refugiados. Naquele ano, o Pontífice celebrou a iniciativa do COI, em um momento em que cada vez mais pessoas eram forçadas a fugir de suas casas para escapar de conflitos, violação dos direitos humanos e perseguição.
Em carta à equipe olímpica de refugiados, Francisco pediu que os atletas, com “a coragem e a força” que levam, possam representar “um grito de fraternidade e de paz” ao mundo. O Santo Padre ainda manifestou seu desejo de que a humanidade, com o exemplo destes esportistas refugiados, possa “compreender que a paz é possível”.
Para o Papa Bergoglio, com o esporte é possível construir a “cultura do encontro”, a realização de uma civilização onde reine a solidariedade, fundada no reconhecimento de que todos são membros de uma única família humana, independentemente das diferenças de cultura, cor da pele ou religião. E a exemplo de Francisco, todos os Papas da era moderna foram unânimes ao reconhecerem que as Olimpíadas são um importante veículo de paz e de fraternidade, torcendo para que a chama dos Jogos nunca se apague.
*Thales Reis é jornalista católico com expertise na análise e cobertura de assuntos relacionados ao Vaticano, ao Papa e à Igreja Católica no mundo. Possui especialização nas Escrituras Sagradas do Cristianismo (Harvard University), em História Moderna da Igreja Católica (University of North Carolina at Chapel Hill) e MBA em Relações Internacionais (FGV-SP)
Fonte: www.vatican news