Por: Pe. Edvaldo Ramom Vergasta
O dia dois de novembro traz à minha memória imagens antigas de quando eu era criança: o cemitério cheio de pessoas, os túmulos limpos, as flores, as velas, o silêncio e o ambiente de tristeza.
Hoje enfrentamos o mistério da morte. Um mistério teórico e um tanto desconfortável para aqueles que – jovens e cheios de vitalidade – olham com indiferença para esses rituais que sentem distantes e ultrapassados; porém, para aqueles que perderam alguém que amavam e para aqueles que se deparam sozinhos na vida, são gestos carregados de uma dor profunda. Um dia que nos obriga a refletir, mas que – infelizmente – está cada vez mais sendo minado por uma lógica disfarçada de politicamente correto: “vamos evitar falar sobre isso”. Falamos pouco sobre a morte neste tempo misterioso e esquizofrênico: por um lado almoçamos e jantamos na frente da televisão assistindo cenas de assassinatos e, por outro lado, importamos tradições como a festa de Halloween que tenta exorcizar a morte, ridicularizando-a.
Mas aqueles que conheceram a morte e perderam um ente querido, levam a morte muito a sério. Não há morte: há pessoas que conhecemos, amamos e que morreram. E quanto mais as amamos, mais dolorosa e devastadora é a sua ausência. Sabemos que somos frágeis, que somos criaturas, e que a doença e a morte são inevitáveis. Porém, a resposta ao dilema da morte é o que dá sentido à nossa vida. A atitude para com a própria morte – uma atitude adulta que não é nem deprimente, nem supersticiosa – está na origem de uma busca mais profunda do mistério da vida. Vamos morrer, é claro. Isso contradiz a existência de Deus? Não sentimos com força a revolta e a ira diante da morte? Ironicamente, essa ira revela a nossa identidade profunda, o mistério que cada um de nós é.
Mesmo na morte o cristianismo tem uma revelação extraordinária que nos enche de esperança: somos imortais desde o dia da nossa concepção. A nossa alma – a parte mais autêntica e eterna – cresce dia a dia na consciência do que ela é: aquela que conduz a nossa vida e as nossas escolhas, aquela que nos ensina a sonhar e a procurar a Deus. Esta alma – isto é, nós – no momento da morte, alcança a Deus que, como Jesus nos revelou, tem um único desejo: salvar-nos.
Mas Deus respeita também a nossa rejeição absoluta de estar com Ele e deixa-nos nas trevas ou, se vir que ainda não estamos prontos para a luz, ajuda-nos num caminho de ulterior conversão ao amor. Eu sei que é estranho dizer isso, mas o inferno – que é a ausência de Deus – existe, e é a oportunidade que todos nós temos de rejeitar para sempre o amor de Deus, sendo um sinal de respeito à nossa liberdade. A nossa oração pelos defuntos não serve para convencer a Deus de fazer uma anistia, mas para sustentar com carinho a alma do nosso irmão para continuar a sua jornada de purificação interior que começou no purgatório.
Sejamos sábios, não esperemos pela morte e nem a evitemos, mas repensemos a nossa vida serenamente. Rezemos neste dia para que o Mestre nos conceda verdadeiramente a fidelidade ao seu desígnio de amor. A nossa oração põe-nos em comunhão com os nossos defuntos, faz com que sintam o nosso afeto, esperando os novos céus e a nova terra que nos aguardam.